Tia Irene (in memoriam)

 

 

    Em 1946, o Escritor  Julio Cortazar publicava o conto Casa Tomada nos Anales de Buenos Aires nº11, ele nos apresentou Irene, seu irmão narrador e a narrativa fantástica. Seis anos antes,  em uma icônica família de costureiras de  Pernambuco, Brasil, nascia uma Irene protagonista de histórias fantásticas para dezenas de vidas. Minha tia foi responsável por dezenas de adoções clandestinas de bebês gerados de médicos adúlteros, com adolescentes analfabetas hiposuficientes, a maioria delas de famílias indígenas. Quando eu li Casa Tomada nunca mais  desassociei  minha tia Irene da Irene do conto do escritor argentino, e também aprendi a simpatizar mais com  minha tia depois de ter lido o conto. 

    Hoje, 11 de janeiro, a tia Irene, com Alzeimer,  fez a passagem para uma outra realidade e a Irene do conto me invadiu. As duas Irenes se fundiram na minha cabeça, apesar de suas diferenças, suas vidas não estavam na curva normal, pois ambas guardavam segredos e um mundo fantástico atravessava suas vidas.

    Por diferentes razões, a verdade dos fatos é adiada por maior tempo for possível por determinadas grupos comprometidos em manter  segredos. Algumas pessoas até adquirem Alzeimer para não revelar verdades ou trocam de pais para evitar dessa forma a possibilidade de enfrentar confissões e seus fantasmas com elas. Cada ser humano dotado de razão e emoção tem seu livre arbítrio para escolher por quanto tempo pretende guardar segredos, mas nada pode ocultar dos espíritos guardiões das verdades criptografadas nos arquivos Universais. 

   Os segredos de minha tia não são contos, as adoções clandestinas intercambiadas por ela e para onde cada criança foi enviada, esses segredos fizeram a passagem com ela e agora cabe aos anjos e ao mundo fantástico para todos nós, até chegar a nossa vez de conhecê-lo, o julgamento; até lá tia Irene, de minha parte, fica a saudade com um misto de indignação e muitas interrogações. 

    A passagem de uma vida para outra há de ser como um paredão da vida BBB, do outro lado há uma continuação e as verdades serão contempladas de qualquer forma. Meus sentimentos aos seus filhos, Cícero Rinaldo, Rogério, Aparecida e Sônia, ao seu afilhado Carlos Sidney e a todos outros afilhados.

A.N.P. 

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